2008-05-26

O abraço de meu pai

(Retirado do Almanaque Brasil, revista distribuída em aviões pela Tam linhas aéreas)

Eu tinha 10 anos quando fiz minha primeira viagem no caminhão de meu pai, um GMC de 1950. Fomos de Cruzeiro do Oeste – mais tarde conhecida como a cidade- esconderijo de José Dirceu durante o regime militar – até Maria Helena, um vilarejo que na época só se alcançava cortando a floresta por uma picada estreita e cheia de “areião”, que era como meu pai chamava os trechos da estrada em que o caminhão costumava atolar. Para mim, garoto que raramente desfrutava da companhia do pai, aquela viagem foi uma aventura. A floresta densa assustava e encantava. De vez em quando, viam-se enormes clareiras negras de árvores outrora verdes e frondosas, agora derrubadas e queimadas para facilitar a remoção das raízes. Diante de algumas delas, meu pai desligava o caminhão, olhava com tristeza a queimada, se debruçava alguns minutos sobre o volante; depois respirava fundo e seguia viagem. Os sucessivos encalhamentos do GMC nos areiões atrasaram a viagem, e a noite chegou com seus sons de assustar crianças. Meu pai, homem franzino, porém muito corajoso, recolhia no mato galhos e pedras para tentar arrancar o caminhão da areia. Eu ajudava como podia, atolado de medo. Até que, de repente, meu maior temor se cristalizou na minha frente: uma onça, parada diante dos faróis acesos. Ofuscada pela luz, talvez hipnotizada, demorou alguns segundos para sumir pela fl oresta. Trêmulo, corri para a cabine e fiquei em silêncio até meu pai se juntar a mim. Avergonhado pelo medo que senti, não disse nada a ele. Passei o resto da viagem calado, rememorando a imagem da onça. Foi só quando chegamos ao destino fi nal que descobri que não estava sozinho naquela lembrança. Ao estacionar o caminhão, meu pai virou-se para mim e perguntou: – Filho, você viu a onça? Respondi que sim. Ele sorriu e me abraçou, com a cumplicidade de quem compartilha um temor. É a única lembrança que tenho de meu pai me abraçando. E acho que nunca mais me senti tão protegido assim.

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Rosi disse...

Passei para desejar uma boa semana.
Bjs

Srta Diazepan disse...

se eu chorar tem problema? Não né... tão lindo o texto!

beijo